ADPF União Homoafetiva.
Ementa:
1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE
REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E
SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES
DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF
nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação
conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das
condições da ação.
2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO,
SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO
SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO
CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR
SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA
NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA
AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O
sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em
sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição
de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por
colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de
todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo
dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual
“o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente
permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação
do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais
elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto
normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade
sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das
pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da
privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula
pétrea.
3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO
DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM
SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA
SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA.
INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da
sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da
família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo
doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se
integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição
de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a
casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou
liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente
constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma
necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus
institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição
designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre
casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de
sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada
família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é
conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de
família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento
civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada
na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do
Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na
posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de
preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO
CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO
DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS
HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO.
IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A
referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art.
226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para
favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das
sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à
renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra
da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como
fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro.
Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu
diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de
qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e
autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como
sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de
família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe
nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo
interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub
judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua
não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º
do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e
garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos
princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte”.
5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO.
Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso
convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo
enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente
estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo
como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação
legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da
Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE
COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”).
RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a
possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do
art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária
a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para
excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o
reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo
sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e
com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
(ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001)
(ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001)
E M E N T A: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO
SEXO - ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE
ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E
QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO
CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI
4.277/DF) - O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL:
A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE
FAMÍLIA - O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL
IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E
DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE -
PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR
FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO -
DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO
DA PENSÃO POR MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART.
1.723 DO CÓDIGO CIVIL - O ART. 226, § 3º, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA
NORMA DE INCLUSÃO - A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO - A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA
PERSPECTIVA DE UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL - O DEVER
CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER
DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF, ART. 5º,
XLI) - A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O FORTALECIMENTO DA
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE COMPÕEM O MARCO DOUTRINÁRIO QUE
CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL. -
Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer
quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os
homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das
leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da
República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna,
que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o
desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual.
RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. - O
Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e
invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da
liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da
não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer
pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso
mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade
familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em
ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais,
relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo
previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. - A
extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união
estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta
incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da
liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional
implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram,
numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da
própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos
autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das
conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade
familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família,
independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família
resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os
mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem
acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas.
A
DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. -
O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza
constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio
conceito de família. Doutrina.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA
FELICIDADE. - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa -
considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) -
significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e
inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de
modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem
republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional
positivo. Doutrina. - O princípio constitucional da busca da felicidade, que
decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade
da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo
e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria
teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja
ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e
franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer
exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional
implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do
princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo
Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no
plano do direito comparado.
A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. - A proteção das minorias e dos grupos
vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação
material do Estado Democrático de Direito. - Incumbe, por isso mesmo, ao
Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da
Constituição (o que lhe confere “o monopólio da última palavra” em matéria de
interpretação constitucional), desempenhar função contra majoritária, em ordem
a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou
omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos
majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores
consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina.
(RE 477554 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287 RTJ VOL-00220- PP-00572)
(RE 477554 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287 RTJ VOL-00220- PP-00572)
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